O Homem Que Encarou o Pacífico

 O Homem Que Encarou o Pacífico


Tem histórias que parecem ter saído de um filme. Esta, por mais inacreditável que pareça, é real. Aconteceu em 1978, e até hoje é contada nos círculos da aviação como uma das maiores provas de coragem, improviso e solidariedade já registradas nos céus.

O nome do piloto era Jay Prochnow, um neozelandês experiente, ex-militar, acostumado com riscos. Mas nenhum treinamento poderia prepará-lo para o que estava prestes a enfrentar.

Jay tinha sido contratado para transportar um pequeno avião Beechcraft Model 55 Baron dos Estados Unidos até a Austrália. O avião era um modelo leve, usado originalmente para pulverização de lavouras. Alguém na Austrália o comprou, e Jay foi o escolhido para levá-lo da Califórnia até o outro lado do mundo — sozinho.

A viagem foi dividida em etapas, reabastecendo em pequenas ilhas pelo caminho. Jay havia feito algumas modificações no avião, adicionando tanques extras de combustível, e cada etapa podia durar até 8 horas de voo contínuo, num espaço apertado, sem piloto automático, sem co-piloto, sem nenhum luxo. Só ele, o céu, o oceano — e a fé de que tudo daria certo.

Tudo corria como o planejado, até que ele partiu de Pago Pago, em Samoa Americana, rumo a Norfolk Island, uma pequena ilha no meio do nada. Era a etapa mais crítica da missão. Um erro de navegação, uma corrente de vento contrária ou um problema no sistema de comunicação poderia custar sua vida.

E foi exatamente isso que aconteceu.

O sistema de navegação adaptado do avião — uma bússola com um rádio direcional — começou a dar sinais estranhos. Jay voava confiando que o equipamento o levaria até a ilha, mas quando chegou ao ponto esperado... não havia nada. Só o oceano, até onde a vista alcançava. O rádio não respondia. O instrumento não apontava para lugar nenhum.

Ele estava perdido no meio do Pacífico. Sozinho. Sem saber para onde ir, nem quanto tempo ainda teria antes que o combustível acabasse.

Sem alternativa, Jay começou a enviar mensagens em ondas curtas, torcendo para que algum avião captasse seu sinal. E foi aí que entrou em cena o segundo herói dessa história: Gordon Vette, comandante de um DC-10 da Air New Zealand, que havia decolado de Auckland rumo a Los Angeles. Ele ouviu a transmissão e tomou uma decisão rara: iria ajudar.

Com quase 300 passageiros a bordo, Gordon explicou pelo alto-falante o que estava acontecendo. “Há um piloto perdido, sozinho, em algum lugar do oceano. Se vocês concordarem, vamos tentar encontrá-lo.” A resposta dos passageiros foi imediata: “Vamos nessa.”

Cada pessoa foi para sua janela. Todos se tornaram observadores. Era como procurar uma agulha num palheiro — ou melhor, um aviãozinho branco no azul sem fim do Pacífico.

Gordon então entrou em contato com Jay e começou uma operação de busca baseada em nada mais do que lógica, sol e coragem.

Pediu para Jay parar de voar em linha reta e começar a voar em círculos. Depois, deu uma ordem estranha, mas genial:
— “Aponte o nariz do avião para o sol e me diga quantos dedos de distância há entre o horizonte e o sol.”

Jay esticou o braço, fez a medição: quatro dedos. Gordon fez o mesmo: dois dedos. Com isso, concluiu que Jay estava a sudoeste de sua posição.

Mas onde exatamente? O rádio só funcionaria se eles estivessem a menos de 200 milhas um do outro. Gordon virou o DC-10 naquela direção e continuou chamando Jay pelo rádio até que... resposta!

O sinal era fraco, mas audível. Isso significava que estavam a 200 milhas de distância. Gordon marcou o ponto no mapa e voou mais adiante até perder o sinal. Marcou novamente. Agora tinha duas coordenadas. E com isso, conseguiu triangular a posição aproximada de Jay.

Foram quatro horas de busca. O tempo estava se esgotando. O combustível de Jay estava nas últimas. Ele já começava a se preparar para o pior. Mas então, no horizonte, um ponto. Um brilho. Uma forma. Luzes.
— “Achei uma ilha!”, ele pensou. Mas não era uma ilha. Era um navio cargueiro.

O navio, por sua vez, soube exatamente a posição em que Jay estava e repassou para o DC-10. Com as informações alinhadas, Gordon conseguiu finalmente localizar Jay e guiá-lo até a pista de pouso em Norfolk Island.

Jay pousou com perfeição. No exato segundo em que as rodas tocaram o solo, o motor apagou. O tanque estava seco. O combustível havia acabado. Se o resgate tivesse demorado mais cinco minutos, talvez essa história tivesse tido um fim trágico.

---

Essa história não é apenas sobre aviões ou navegação. É sobre coragem em meio ao caos, solidariedade entre estranhos, e a beleza de ver seres humanos se unindo para salvar uma vida.

No mundo moderno, onde tantas coisas são descartáveis, é bom lembrar que ainda existem pessoas como Gordon Vette — que, com um avião cheio de passageiros, não hesitou em ajudar um desconhecido perdido no meio do mar.

Jay Prochnow sobreviveu para contar a história. Gordon Vette virou lenda na aviação. E eu, como contador de histórias, nunca deixo de me emocionar ao relembrar esse feito extraordinário.



Comentários