A República, de Platão
O livro "A República" de Platão, está dividido em dez livros (ou capítulos) numerados em algarismos romanos:
Resumo do Livro I de “A República”, de Platão
Sócrates narra que, descendo ao Pireu com Glauco para assistir a uma procissão em honra à deusa, foram detidos por Polemarco, que os convidou para sua casa, prometendo uma corrida com tochas a cavalo e uma boa companhia para debate. Eles aceitaram. Lá estavam, além de Polemarco, seus irmãos, Trasímaco, Clitofonte, Carmântides, Lísias, Eutidemo e o velho Céfalo, pai de Polemarco.
Céfalo, coroado após realizar um sacrifício, inicia uma conversa com Sócrates sobre a velhice. Diz que muitos a consideram penosa, por perderem os prazeres do corpo e pelas queixas dos filhos, mas ele mesmo a vê como libertação dos desejos e uma fase tranquila, desde que o homem seja moderado. O segredo, segundo ele, está no caráter e não na idade.
Sócrates pergunta qual é a maior vantagem que Céfalo viu na riqueza. Céfalo responde que o dinheiro é útil não para viver em luxo, mas para não cometer injustiças por necessidade, para pagar dívidas e sacrifícios devidos aos deuses, e assim morrer com a alma tranquila. Isso leva Sócrates a indagar se a justiça é simplesmente dizer a verdade e pagar o que se deve. Ele desafia essa definição com o exemplo de devolver armas a um amigo enlouquecido.
Céfalo se retira, e Polemarco assume a discussão, dizendo que a justiça é “dar a cada um o que lhe é devido”, conforme Simônides. Sócrates investiga essa ideia: se é justo fazer bem aos amigos e mal aos inimigos, o que acontece se alguém se engana ao julgar quem são seus amigos ou inimigos? Além disso, fazer mal a alguém torna essa pessoa pior e, portanto, mais injusta — o que vai contra a ideia de que a justiça faz o bem.
Polemarco é convencido de que a justiça não pode consistir em prejudicar ninguém, nem mesmo os maus. Sócrates propõe que a justiça deve ser uma virtude que sempre faz o bem, como o calor aquece e o médico cura. Logo, o justo não pode praticar o mal.
Neste ponto, Trasímaco, irritado por ter sido apenas ouvinte, intervém com violência verbal, dizendo que a justiça é “o interesse do mais forte”. Cada governo estabelece leis que lhe são convenientes e chama de justas. Logo, para Trasímaco, o justo é o que serve ao governante, e a injustiça, especialmente quando bem organizada como na tirania, é mais vantajosa.
Sócrates contesta: se os governantes podem errar e ordenar coisas contrárias ao seu próprio interesse, então o justo nem sempre serve ao mais forte. Trasímaco corrige, dizendo que um governante, enquanto tal, nunca erra — se erra, não é enquanto governante.
Sócrates então argumenta que o verdadeiro governante, assim como o médico ou o piloto, visa ao bem do governado e não ao seu próprio interesse. Nenhuma arte busca o bem de quem a pratica, mas de quem é beneficiado por ela. Assim, a justiça, como arte de governo, visa ao bem dos governados.
Por fim, Sócrates diz que os homens bons não buscam governar por ganho pessoal, mas por dever — e o maior castigo por não governar é ser governado por alguém pior. Com isso, refuta a noção de Trasímaco de que a injustiça é mais vantajosa, deixando o debate aberto para aprofundamento nos livros seguintes.
Resumo do Livro II
O Livro II começa com Glauco intervindo após a discussão com Trasímaco. Ele não está satisfeito com a defesa de Sócrates sobre a justiça e pede-lhe que mostre não apenas que a justiça é melhor que a injustiça, mas que o justo é mais feliz por ser justo — mesmo que sofra por isso — e o injusto, mesmo que pareça triunfar, é infeliz por sua injustiça.
Glauco distingue três tipos de bens: (1) aqueles desejados por si mesmos, como a alegria; (2) os desejados por si mesmos e por seus resultados, como a saúde; e (3) os buscados apenas por suas consequências, como o exercício físico ou tomar remédios. Ele quer saber em qual dessas categorias Sócrates colocaria a justiça. Sócrates responde que no segundo grupo — algo bom em si e por seus frutos. Glauco diz que a maioria pensa que a justiça está no terceiro grupo, desejável apenas pelos benefícios.
Para aprofundar o debate, Glauco propõe um experimento de pensamento: a história do anel de Giges. Um pastor da Lídia descobre um anel que o torna invisível. Com ele, seduz a rainha, mata o rei e toma o trono. Glauco pergunta: se ninguém vê nossas ações, o justo e o injusto agiriam de forma diferente? Ou ambos seriam igualmente injustos se pudessem escapar impunes?
Adimanto reforça, dizendo que desde pequenos, ouvimos que ser justo traz recompensas e que os deuses punem os maus. Mas os pais, poetas e até os sacerdotes afirmam que com sacrifícios e orações pode-se comprar o perdão divino. Assim, a justiça seria apenas um meio para benefícios terrenos ou celestiais, não um bem em si.
Sócrates aceita o desafio: mostrar que a justiça é um bem em si mesma, mesmo sem recompensas externas. Ele propõe analisar a justiça não no indivíduo primeiro, mas no Estado, pois é maior e mais clara ali.
Ele começa por imaginar uma cidade ideal. No início, a cidade é simples: todos trabalham para suprir necessidades básicas. Um produz o alimento, outro tece as roupas, outro constrói. Surge o comércio, a divisão do trabalho e a necessidade de moeda e mercados.
Mas essa “cidade sã” se torna insuficiente, pois os desejos crescem. Surge a “cidade luxuosa”, com músicos, caçadores, confeiteiros, pintores, cabeleireiros e médicos — tudo isso cria novas necessidades e competição por terras. E daí vem a guerra.
Para proteger essa cidade aumentada, será preciso um exército: surgem os guardiões. Sócrates então passa a descrever como devem ser educados. Os guardiões devem ter natureza forte e corajosa, como cães de guarda — suaves com os amigos e ferozes com os inimigos. Mas isso exige educação correta, desde a infância.
Ele propõe uma educação baseada em ginástica (para o corpo) e música (para a alma), mas não qualquer música: ela deve formar o caráter. Histórias que apresentem os deuses como maus ou enganadores devem ser banidas. Só devem ser contadas histórias que formem virtudes.
Assim termina o Livro II: preparando o terreno para a formação do guardião ideal, e buscando uma cidade onde a justiça possa ser identificada de forma clara — para, então, entender a alma do indivíduo e mostrar que a justiça é, de fato, desejável por si só.
Resumo do Livro III
Sócrates continua seu raciocínio sobre a formação dos guardiões da cidade. A educação é seu foco central, agora voltada não apenas à alma, mas também ao corpo e à moral. Ele critica duramente os mitos contados aos jovens — histórias dos deuses que mentem, brigam ou cometem injustiças. Segundo ele, tais narrativas corrompem os ouvintes e devem ser proibidas. A poesia e o teatro que representam os deuses como volúveis e passionais devem ser banidos. Os guardiões devem ouvir apenas histórias que formem virtudes: coragem, justiça, temperança e piedade.
Sendo os guardiões os defensores da cidade, devem ter uma natureza firme, mas também dócil, como os cães de guarda. Para tal, a educação deve formar o caráter desde a infância, com especial atenção à ginástica, à música e à verdade.
É nesta parte que Sócrates introduz a famosa "mentira nobre": uma história útil, embora falsa, a ser contada ao povo para manter a harmonia social. Segundo essa narrativa, todos foram formados dentro da terra como irmãos, mas possuem naturezas diferentes: os governantes têm almas de ouro, os auxiliares de prata e os trabalhadores de bronze ou ferro. Essa fábula visa justificar a estrutura da cidade ideal, mantendo a ordem e a obediência.
Além disso, Sócrates estabelece que os guardiões não devem possuir propriedade privada, ouro, prata ou bens. Vivem em comunidade, com moradia simples, alimentação suficiente e educação constante. Sua felicidade não deve residir na posse, mas no serviço à cidade.
Discute-se também que os melhores devem reproduzir-se com os melhores, para manter a excelência da raça dos guardiões. O Estado deve regular os casamentos com sorteios simbólicos (manipulados secretamente) para assegurar a eugenia, de modo que as crianças mais bem dotadas sejam geradas por pais superiores, sem que isso pareça injusto. Os filhos serão criados de forma comum, sem saber quem são seus pais biológicos, criando laços de irmandade universal entre os guardiões.
A ideia é criar uma unidade absoluta na cidade: ninguém diz “isto é meu” ou “este é meu filho”, mas “tudo é nosso”. O bem comum é superior ao bem individual. A cidade justa é aquela onde todos se sentem parte de um único corpo, com alegria e dor compartilhadas.
Encerra-se o livro com Sócrates reafirmando que os guardiões devem ter vigilância sobre as mudanças nos costumes e na música — pois até mesmo pequenas alterações na arte podem corroer os fundamentos da cidade. A educação é a chave de tudo: é pela alma bem formada que o corpo e a cidade se conservam.
Resumo do Livro IV
Adimanto inicia o diálogo questionando Sócrates: os guardiões, embora essenciais à cidade, parecem levar uma vida sem prazeres, sem propriedades, sem luxos — isso não os tornaria infelizes? Sócrates responde que o objetivo não é a felicidade de uma classe, mas sim da cidade inteira. A justiça política consiste em organizar o todo, e não em fazer de cada parte um reino particular de prazer.
Ele explica que um bom governo não privilegia um grupo apenas, como olhos ou mãos numa escultura: a beleza da estátua depende da harmonia de todas as partes. Do mesmo modo, a felicidade da cidade depende da justa relação entre as três classes: os guardiões (governantes), os auxiliares (soldados) e os produtores (artesãos, agricultores, comerciantes).
Sócrates propõe que a justiça será encontrada quando cada classe exercer sua função própria, sem intrometer-se na função das outras. Mas, antes de chegar a essa conclusão, ele define as três virtudes sociais:
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Sabedoria, que está na classe dos governantes.
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Coragem, presente nos auxiliares.
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Temperança, que se espalha por todas as classes e assegura o domínio da razão sobre os desejos.
A quarta virtude — justiça — aparece como o princípio que mantém a ordem: “fazer o que é próprio de cada um”, isto é, cada parte da cidade cuidando do que lhe compete. Essa definição será depois aplicada à alma humana.
Assim, Sócrates compara a cidade ao indivíduo e identifica, também na alma, três partes:
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A parte racional, que busca a verdade e deve governar.
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A parte irascível, que abriga a coragem, a vontade, a indignação.
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A parte concupiscível, onde residem os desejos e apetites do corpo.
A justiça no homem consiste na harmonia dessas três partes: a razão deve governar com auxílio da vontade, e os desejos devem ser dominados. O homem justo, portanto, é aquele que possui ordem interior, domínio de si, e não aquele que apenas aparenta ser justo.
O livro conclui que a alma justa é mais feliz, pois está em equilíbrio. Sócrates também afirma que pequenos desvios na música e na educação podem corromper toda a cidade, razão pela qual a vigilância moral e estética deve ser constante. A justiça não é só uma conveniência social — é uma saúde da alma.
Resumo do Livro V
O Livro V começa com uma interrupção de Adimanto e Polemarco, que não permitem que Sócrates siga adiante antes de tratar de uma questão polêmica: a comunidade de mulheres e filhos entre os guardiões. Eles exigem que Sócrates explique como será essa vida em comum — quem se casará com quem, quem cuidará das crianças, e como isso afetará a cidade.
Sócrates aceita o desafio. Explica que, numa cidade verdadeiramente justa, as mulheres dos guardiões também devem ser educadas como os homens. Mesmo que os corpos sejam diferentes, as almas possuem as mesmas virtudes — portanto, a mesma educação e as mesmas funções lhes devem ser atribuídas, inclusive na guerra. A única diferença natural está na força física, não na capacidade da alma.
Com isso, Sócrates propõe a igualdade entre homens e mulheres na cidade ideal, algo revolucionário para seu tempo. Ele afirma que, se a natureza feminina apresenta aptidão, então deve-se permitir que as mulheres governem, guerreiem e filosofem, assim como os homens.
Quanto à procriação, Sócrates sugere que ela seja regulada pelo Estado. Os casamentos devem ser controlados por sorteios aparentes (manipulados secretamente pelos governantes), unindo os melhores com os melhores para gerar descendentes superiores. As crianças serão criadas em comum, sem que pais e filhos se reconheçam. A intenção é eliminar o egoísmo familiar e fortalecer a unidade da cidade.
A cidade se tornará uma comunidade unida em corpo e alma, onde todos se consideram irmãos. O bem de um será o bem de todos; a dor de um, a dor de todos. Sócrates defende que essa comunhão profunda é o maior bem que pode existir numa cidade.
Ele afirma que tais propostas parecerão impossíveis de realizar, mas não são utópicas — são apenas difíceis. Se algum dia filósofos se tornarem reis, ou reis se tornarem verdadeiros filósofos, a cidade ideal poderá existir. Assim nasce a famosa frase: “enquanto os filósofos não forem reis, ou os reis não forem verdadeiros filósofos, as cidades não conhecerão a paz”.
Sócrates então define o que é um verdadeiro filósofo: aquele que ama o saber em si, não as aparências, e que busca conhecer o ser eterno, imutável, e não a multiplicidade enganadora das opiniões. O filósofo não se apega ao prazer, à riqueza ou à fama, mas dedica sua alma à contemplação do verdadeiro, do justo e do belo.
O Livro V termina com a defesa do papel do filósofo como governante. A cidade ideal só será possível quando os mais sábios, os amantes da verdade, forem colocados no poder. E isso requer um sistema educacional e político voltado para a formação dessas almas raras e justas.
Resumo do Livro VI
Sócrates prossegue com a defesa do governo dos filósofos. Ele afirma que os verdadeiros filósofos são aqueles que amam o saber em si — não as opiniões ou aparências, mas o ser eterno, imutável, invisível aos sentidos e acessível somente pela razão. Esses homens têm natureza apropriada ao conhecimento: são moderados, justos, corajosos, de boa memória e amantes da verdade.
No entanto, Adimanto aponta que, na realidade, os filósofos são desprezados e considerados inúteis ou até perversos nas cidades. Sócrates concorda, mas explica: é o ambiente corrupto que impede os filósofos verdadeiros de florescerem. Como sementes nobres lançadas em solo infértil, suas almas degeneram. Em um governo justo, no entanto, seriam reconhecidos e valorizados.
Para defender sua posição, Sócrates usa uma analogia célebre: o navegador e o navio. Num navio, os marinheiros querem dirigir, mesmo sem conhecimento da arte náutica, enquanto o verdadeiro piloto — o filósofo — é desprezado como inútil. Assim também acontece nas cidades: os políticos tomam o poder, embora não tenham sabedoria, e o verdadeiro conhecedor da verdade é deixado de lado.
Sócrates afirma que a natureza filosófica, embora rara, deve ser cultivada cuidadosamente. O filósofo, além de amar a sabedoria, deve ser firme, imparcial e incapaz de ser corrompido por riqueza ou prazer.
O diálogo então aborda o processo de formação do filósofo-governante. Ele deve aliar experiência prática à especulação teórica. Só poderá governar aquele que conhece a essência do bem — pois ninguém pode conduzir corretamente se não souber para onde vai.
Glauco então pede a Sócrates que defina o bem. Sócrates hesita, mas oferece uma comparação: o bem é para a alma o que o sol é para os olhos. Assim como a luz do sol permite que vejamos, o bem permite que conheçamos. Ele introduz a famosa analogia do Sol, em que o bem é a fonte de toda verdade e realidade, superior inclusive ao conhecimento.
Sócrates distingue entre o mundo visível e o inteligível. No visível, há imagens (sombras e reflexos) e coisas físicas. No inteligível, há as ideias matemáticas e, acima de tudo, a ideia do bem. Ele propõe uma divisão em quatro graus de conhecimento:
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Imaginação (εἰκασία) – sombras e imagens.
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Crença (πίστις) – objetos físicos.
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Pensamento discursivo (διάνοια) – raciocínio matemático.
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Inteligência (νόησις) – contemplação direta das ideias.
Essa estrutura culmina na contemplação do bem como princípio de tudo. O filósofo é, portanto, aquele que ascende a esse grau máximo e, por isso, está apto a governar — pois conhece a verdadeira medida da justiça, da beleza e da virtude.
Sócrates inicia este livro com uma das mais célebres alegorias da filosofia: o Mito da Caverna. Ele pede que imaginemos seres humanos desde a infância presos numa caverna subterrânea, com o pescoço e as pernas acorrentados, forçados a olhar apenas para uma parede diante deles. Atrás, há uma fogueira e, entre ela e os prisioneiros, passa uma estrada onde homens carregam objetos. Os prisioneiros só veem as sombras projetadas na parede e ouvem ecos, acreditando que isso seja toda a realidade.
Esses homens representam a condição da alma humana presa à ignorância. Se um deles for libertado e forçado a olhar para os objetos reais, e depois para a luz, sofrerá. Quando sair da caverna e ver o Sol, ficará deslumbrado. Mas, ao se acostumar, entenderá que tudo que vira antes eram meras sombras — ilusões. Se voltasse para libertar os demais, seria ridicularizado. Essa alegoria simboliza o caminho da educação filosófica: da ignorância (sombra) à verdade (luz), do mundo sensível ao mundo das ideias.
Sócrates insiste: a educação não é colocar conhecimento na alma, mas voltar a alma para a luz, para o bem. O verdadeiro educador é aquele que faz a alma se orientar para aquilo que é mais elevado.
Ele propõe então o currículo formativo do filósofo-governante:
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Dos 7 aos 18 anos: ginástica e música.
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Dos 18 aos 20: treinamento físico e militar.
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Dos 20 aos 30: estudos de matemática, geometria, astronomia e harmonia.
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Dos 30 aos 35: dialética — o exercício do pensamento puro.
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Dos 35 aos 50: prática política e filosófica, para que, ao final, estejam aptos a governar.
Só os que passam por todas essas etapas e demonstram equilíbrio moral e sabedoria devem liderar a cidade. O filósofo que vê o Sol, ou seja, que conhece o Bem, deve descer novamente à caverna — isto é, à vida pública — para conduzir os outros.
Sublinha-se que os estudiosos da dialética devem ser escolhidos com rigor. A dialética é perigosa se ensinada a jovens imaturos: ela pode torná-los arrogantes, céticos e subversivos. Por isso, deve vir apenas após um longo treinamento do caráter.
O Livro VII encerra-se com a defesa de que o saber verdadeiro só é possível a quem atinge a contemplação das ideias eternas, especialmente a do Bem. É essa visão que deve guiar o governo da cidade justa, conduzida por aqueles que, tendo visto a luz, voltam para guiar os que ainda vivem nas sombras.
Resumo do Livro VIIIDepois de descrever a cidade ideal governada pelos filósofos, Sócrates passa a analisar as formas imperfeitas de governo e suas correspondentes almas humanas. Começa por mostrar a degeneração da cidade perfeita — do regime aristocrático ao mais injusto de todos: a tirania. Cada regime inferior surge da corrupção do anterior, como uma linha de declínio moral.
O primeiro estágio dessa queda é a timocracia, um governo baseado na honra e na glória militar. Surge quando os guardiões deixam de valorizar a razão e passam a buscar reconhecimento e poder. A alma correspondente é a do homem ambicioso, movido pela ira e pelo espírito competitivo, mas ainda capaz de disciplina.
Com o tempo, a timocracia degenera em oligarquia, onde o critério de autoridade é a riqueza. Os ricos governam, e os pobres são marginalizados. Essa cidade é marcada por desigualdade, medo e conspiração. Na alma, o homem oligárquico é avarento, calculista, busca acumular, mas não gasta: domina os prazeres, mas por covardia, não por sabedoria.
Da oligarquia nasce a democracia — uma reação dos pobres contra os ricos. A cidade democrática é plural, permissiva, cada um vive como quer. Liberdade se torna o bem supremo. Sócrates observa que essa liberdade excessiva leva à anarquia, onde filhos não respeitam pais, alunos desafiam mestres, e até animais agem como se fossem livres. A alma democrática é múltipla, instável, dominada por desejos variados e desordenados.
Enfim, da liberdade extrema nasce seu oposto: a tirania. Quando o povo, em busca de igualdade absoluta, rejeita qualquer forma de autoridade, clama por um salvador — e esse salvador torna-se tirano. A cidade, que buscava liberdade, cai na mais cruel escravidão. O tirano ascende explorando o medo, elimina adversários e estabelece o terror.
O homem tirânico tem uma alma dividida: seus desejos mais baixos dominam. Vive para satisfazer seus prazeres, mesmo à custa da razão e da honra. Ele não conhece paz, pois é escravo de suas paixões. Assim como o Estado tirânico é o mais injusto, o homem tirânico é o mais infeliz.
Sócrates conclui que a ordem política reflete a ordem da alma. A cidade justa nasce de almas justas; a cidade corrompida, de almas desordenadas. Cada regime político é o espelho de um tipo de homem. O caminho para a justiça e a felicidade está em cultivar a razão e subjugar os desejos.
Resumo do Livro IXSócrates inicia este livro examinando a alma do homem tirânico, completando a análise dos cinco tipos de governo e suas almas correspondentes. Ele mostra como esse tipo de alma nasce da degeneração da alma democrática, quando os desejos desordenados e ilícitos, reprimidos pela razão e pela educação, tornam-se dominantes.
Durante o sono, quando a razão adormece e a parte animal da alma desperta, desejos proibidos — incesto, homicídio, gula sem limites — surgem como imagens. Sócrates diz que, em algumas almas, esses desejos não apenas surgem, mas se tornam os guias da vida. Assim nasce o homem tirânico: dominado pelos desejos mais baixos e insaciáveis.
Esse homem, inicialmente influenciado por um desejo dominante (como o da luxúria, da ambição ou da gula), torna-se escravo dele. Esse desejo se converte num tirano interno, governando toda a alma. Ele rouba, mente, mata, trai, apenas para satisfazer seu apetite — até os pais e amigos são sacrificados se estiverem no caminho.
Sócrates afirma que tal homem vive atormentado, cercado de medos, desconfianças e inimizades. Sempre teme represálias e revoltas, tanto internas (da alma) quanto externas (do povo). Por isso, o homem tirânico é o mais infeliz de todos, apesar de parecer poderoso. Ele não conhece amizade verdadeira nem liberdade interior.
Socrates então compara os prazeres dos três tipos de homem:
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O filósofo, cuja alma é governada pela razão, aprecia os prazeres da verdade e da contemplação do bem.
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O homem ambicioso, guiado pela parte irascível, valoriza a glória e a vitória.
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O homem amante do lucro, dominado pela parte concupiscível, busca riqueza e prazeres sensuais.
Sócrates defende que o prazer do filósofo é o mais verdadeiro e duradouro, pois é o mais racional e estável. Os outros prazeres são como sombras ou ilusões, incapazes de proporcionar felicidade genuína.
Para reforçar esse ponto, ele propõe uma imagem: a da alma como um monstro de múltiplas cabeças, um leão e um homem interior. No homem injusto, o monstro domina. No justo, o homem governa e mantém o leão e o monstro sob controle. Assim, a justiça é a verdadeira harmonia da alma.
O livro encerra-se com a afirmação de que a justiça é mais vantajosa que a injustiça — não pelos louros sociais ou recompensas, mas porque ela ordena a alma, concede liberdade interior e conduz à verdadeira felicidade.
Resumo Detalhado – Livro X de “A República” (Platão)O Livro X encerra A República com três grandes temas interligados: a crítica à poesia imitativa, a imortalidade da alma e o destino das almas após a morte, culminando com o célebre mito de Er.
I. Crítica à Poesia e à Imitação
Sócrates retoma o assunto da poesia, retomando o que foi discutido nos primeiros livros. Afirma que a cidade ideal só será justa se afastar a poesia mimética, ou seja, aquela que se baseia na imitação das aparências, como os poemas épicos e as tragédias. Ele lamenta ter que criticar Homero, a quem reverencia desde a infância, mas afirma: “não se deve mais consideração a um homem do que à verdade.”
Ele então propõe um raciocínio:
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Há três níveis de realidade: (1) o modelo verdadeiro (ideia), (2) a cópia funcional (o objeto feito pelo artesão) e (3) a imagem imitativa (pintura, poesia). O poeta pertence ao terceiro nível: é três vezes afastado da verdade.
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O poeta não conhece a essência daquilo que retrata — ele apenas imita o que vê, e por isso não transmite conhecimento, mas opinião e ilusão.
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Isso é perigoso porque a poesia mimética não se dirige à razão, mas à parte emotiva e irracional da alma, exacerbando paixões e desordens internas. Chorar com uma tragédia ou se deixar levar pela beleza dos versos não é virtude — é perder o controle da alma.
Assim, para Sócrates, embora a poesia traga prazer, ela corrompe a alma e a sociedade. Só se deve permitir a poesia que ensine e eleve a razão. A arte que apenas imita aparências, sem conhecimento verdadeiro, deve ser excluída da cidade justa.
II. A Imortalidade da Alma
Na segunda parte do livro, Sócrates busca demonstrar que a alma é imortal. Ele propõe o seguinte argumento:
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Tudo que se corrompe o faz por meio do seu mal próprio. Por exemplo, o corpo se destrói por causa de doenças (seu mal interno).
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A alma se corrompe por injustiça, ignorância, vício — esses são seus males próprios. Mas, mesmo a alma injusta não se dissolve nem desaparece.
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Se a alma não é destruída por seu próprio mal, então nenhum mal externo pode destruí-la. Logo, ela é indestrutível e imortal.
Sócrates afirma, então, que a alma sobrevive ao corpo e continua existindo após a morte. Essa conclusão prepara o terreno para o último e grandioso mito da obra.
III. O Mito de Er: O Destino das Almas
Para concluir, Sócrates narra a história de Er, filho de Armênio, um guerreiro que morreu em batalha, mas ressuscitou doze dias depois no leito funerário. Ao retornar à vida, conta o que viu no mundo pós-morte:
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As almas, após a morte, são julgadas: as justas sobem ao céu; as injustas descem à terra para serem punidas.
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Após mil anos, as almas retornam ao ponto de partida, para escolher uma nova vida. Essa escolha é livre, mas cada alma carrega os hábitos da vida anterior — por isso, os que foram sábios escolhem melhor, enquanto os que viveram mal tendem a repetir os erros.
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Algumas almas nobres escolhem vidas modestas, prudentes; outras, com alma impura, escolhem vidas de tirano, bestas selvagens ou mesmo animais irracionais.
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Após a escolha, as almas passam pela planície do Letes (esquecimento), bebem da água do rio e esquecem suas experiências. Então renascem no mundo dos vivos.
Sócrates conclui que só a filosofia prepara a alma para escolher bem — cultivando a justiça, o autocontrole e a sabedoria. A alma que se dedicou à razão escolherá sempre com prudência, enquanto a que buscou prazeres ou poder cairá nas armadilhas da reencarnação.
Conclusão da Obra
Com o mito de Er, Platão encerra A República com uma visão moral, espiritual e metafísica da justiça:
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Ser justo não é apenas útil nesta vida, mas é o caminho da salvação eterna da alma.
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A educação filosófica, voltada ao conhecimento do bem e da verdade, é a única capaz de ordenar a alma e libertá-la do ciclo de erros.
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A cidade justa é reflexo da alma justa; e a verdadeira política é aquela que modela a alma pela razão.

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